Armando
Monteiro diz que movimento deve levar políticos a fazer grande reflexão
O
senador Armando Monteiro falou ao programa Argumento, da TV Senado, sobre os
protestos que têm tomado conta do País. Para ele, a mobilização revela o
incômodo das pessoas com o caos instalado nas cidades, em especial com a
questão do transporte público e da mobilidade urbana. “Este movimento expressa
um estado crescente de insatisfação com o espaço de convivência das cidades”,
diz.
Segundo
Armando, os protestos também são fruto da ampliação do poder de renda de grande
parte da população, que não foi acompanhado pela melhoria na qualidade dos
serviços públicos. “As pessoas passaram a ter mais renda e, paradoxalmente, se
sentem menos contempladas por este estado, perdendo a cada dia qualidade de
vida”, analisa.
Outra
leitura do senador é de que os movimentos revelam um sentimento dos cidadãos
que não enxergam na agenda da classe política aquelas questões que afetam
decisivamente as suas vidas. “Este movimento, e tudo aquilo o que ele expressa,
deve levar os políticos a fazer uma grande reflexão”.
Por
fim, Armando diz que a mobilização deve estimular a discussão em torno de uma
agenda mais ampla e estruturante para o país, e não se resumir apenas a medidas
pontuais.
Veja abaixo trechos da entrevista
Movimentos expressam crise nas cidades
É
um movimento político na melhor acepção da palavra, lembrando sempre que a
política tem esta coisa da polis, que tem uma relação com a convivência urbana.
Veja que coisa curiosa. Na origem da palavra política você tem esta questão do
cidadão e a cidade. Esta crise, a meu ver, é claramente urbana, que é
magnificada exatamente por conta das carências e das disfuncionalidades das
cidades. Cada dia as pessoas se incomodam mais com o caos que está se
instalando nas cidades, e o transporte e a mobilidade são talvez as expressões
mais inquietantes e de desconforto com este processo que hoje nós verificamos e
assistimos nas cidades.
A agenda do Congresso e a falta de sintonia com a população
Eu
acho que a agenda do Congresso e, muitas vezes, a agenda da classe política,
não é muito percebida pela população. E isto talvez indique um certo
afastamento, ou melhor dizendo, um certo sentimento do cidadão de que as
questões reais, que afetam decisivamente as suas vidas não estão na agenda da
classe política. E aí há um descolamento, mesmo quando os temas são de
importância indiscutível, como estes temas da agenda federativa, sobretudo
estes que dizem respeito à repartição da renda pública, no que diz respeito ao
que toca aos municípios, aos Estados, e à própria União. Então eu acho que este
movimento, e tudo aquilo que ele expressa, deve levar os políticos a fazer uma
grande reflexão.
Partidos não estão representados nos movimentos
Há
um caráter novo nas manifestações, que não têm um líder que individualmente
possa conduzir, não é o chamamento de um partido, não é propriamente uma pauta
corporativa, que às vezes mobiliza. Não é uma manifestação sindical. É algo
novo que brota da sociedade, e que tem nas redes sociais uma nova configuração.
Que permite a auto-organização, a automobilização. Portanto, é algo novo, que
nós precisamos entender.
Sociedade mais exigente
Mas
eu acho é que na essência o que este movimento expressa é um estado crescente
de insatisfação com o espaço de convivência das cidades. O transporte público
se deteriorou. E o que é que curioso, as pessoas passaram a ter mais renda e,
paradoxalmente, elas se sentem menos contempladas por este estado. E perdem a
cada dia qualidade de vida. Portanto, aquele sonho das cidades, das pessoas que
migraram, de que você pudesse ter acesso a uma vida melhor, a melhor oferta de
serviço públicos, isto vem se frustrando crescentemente.
E
na sociedade brasileira nós queimamos etapas. O automóvel no Brasil, que é o
melhor exemplo do que seria a realização individual, a expressão da liberdade
individual, conduziu as cidades a uma situação de colapso. Porque o Brasil, antes
de se tornar um grande produtor e consumidor de automóveis, não foi capaz de
criar um sistema de transporte coletivo minimamente desenvolvido. É sempre bom
lembrar que Buenos Aires, na Argentina, tem quase 350 quilômetros desde a
década de 30, de 40. Então veja como nós no Brasil descuidamos de um sistema de
transportes que pudesse atender à demanda especialmente da grande população e
da classe trabalhadora de uma maneira geral.
Então
o que assistimos é uma situação de colapso. São pessoas que perdem seis horas
dentro de um ônibus, às vezes em condições extremamente desconfortáveis, e que
a partir daí se sentem diminuídos em sua cidadania. Ou seja, de que é que
adiantou que eu pudesse ter mais renda, mais informação, maior acesso aos bens
culturais, se eu não posso sequer me movimentar na minha cidade e poder ter uma
vida minimamente confortável? Então eu acho que esta é a reflexão.
A reação do Poder Público
O
meu temor é de que, como tem sido de hábito no Brasil, estas ações (sejam)
meramente reativas e tópicas. Veja que quando ocorrem no Brasil desastres,
catástrofes e ocorrências graves, há uma ação assistencial e depois você perde
a agenda de caráter mais estruturante e permanente. O que eu acho é que nós
devemos todos discutir hoje uma agenda séria no Brasil. Para discutir a questão
do transporte coletivo, do transporte público no Brasil, e como preparar
minimamente as cidades para que elas possam pelo menos ser um espaço razoável
de convivência e que proporcione um mínimo de qualidade de vida às pessoas.
Esta
agenda passa por uma discussão de recursos, pela desoneração do transporte
coletivo, por um papel novo de regulação do Estado nesta área, que tem estabelecido
um marco de regulação inadequado. Que atende à tarifa, mas não exige
contrapartida à oferta de serviços de melhor qualidade. Que não acompanha, que
não fiscaliza. E ao mesmo tempo algumas intervenções urbanas de caráter
infraestrutural que nós precisamos realizar.
Portanto
é uma agenda densa, é uma agenda complexa, não imaginem que nós vamos resolver
topicamente com medidas de desoneração. E é preciso que a classe política saiba
que nós podemos estar em uma situação limite.
Classe política precisa entender este fenômeno
Alguém
já disse bem que aonde não chega a coragem das reformas, espreita a violência
das revoluções. Portanto, este movimento, que no começo gerou perplexidade, nós
não conseguimos entender no início.
Alguns
quiseram até em um primeiro momento descredenciar, desqualificar, estes
movimentos. Ao final eles se impuseram, porque traduzem firmemente uma
manifestação de indignação, que têm conseguido dialogar com alguns setores da
sociedade, e que por isto tem esta força mobilizadora. E que se expressam de
uma forma nova. Por isto é que sobretudo a classe política tem que ter a
capacidade de entender este fenômeno.
Crédito da foto: Pedro França /
Agência Senado
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