terça-feira, 18 de novembro de 2014

Santuários eleitorais do Bolsa-Família – Estação III

Nailde Maria, na Prefeitura e no Bolsa-Família

POTIRETAMA (CE) – Poder paralelo nos grotões nordestinos, o programa Bolsa Família, que fez da pequena Potiretama, no Sertão cearense do Jaguaribe, a 277 km de Fortaleza, se projetar nacionalmente como a quarta maior votação proporcional da presidente Dilma no País, é uma zorra total, parodiando o programa global. Existem muitas distorções entre os 1.202 beneficiários, como servidores públicos concursados.

É o caso da assistente de saúde Nailde Maria Gurgel, que trabalha numa clínica de fisioterapia da Prefeitura, em frente da sua casa, no centro da cidade. Procurada pela reportagem, ela revelou que recebe R$ 102,00 por ter dois filhos, um dos quais na escola, o que lhe garante o direito da bolsa. “Sou concursada da Prefeitura, mas ganho pouco, meu marido está desempregado e a gente precisa deste complemento”, afirmou.

Perguntada se não estava irregular, Nailde disse que não sabia, mas informou que, se fosse, na verdade, o caso, não seria a única. “Não vou entregar ninguém, mas deve ter muito mais gente nessa situação”, afirmou, referindo-se a cadastrados com renda superior ao exigido no município em razão do valor da ajuda governamental ser baixa.

Nailde é eleitora de Dilma, “a mãe dos pobres”, como define. Afirma que a quase totalidade dos eleitores de Potiretama foram às urnas dar o aval pela reeleição da presidente por ela representar a certeza de que os menos favorecidos nos rincões nordestinos continuarão sendo amparados pelo Governo. “Votei em Dilma pelo que ela fez e pode fazer ainda mais pela nossa gente sofrida”, afirmou.
Vigilante Damião Moura, trabalha para uma empresa de vigilância e tem a esposa cadastrada no Bolsa-Família

Exemplo de falha no programa, Nailde não é um caso isolado pela razão de ter renda acima dos critérios estabelecidos pelo programa. No assentamento Riacho Seco, a 10 km do centro da cidade, onde 50 das 56 famílias residentes sobrevivem do Bolsa Família, o vigilante Damião Moura, três filhos, 24 anos, trabalha numa empresa de vigilância e ganha salário. A sua esposa Maria Vânia de Moura tem um cartão de R$ 260,00 do programa social.

“Minha mulher não tem renda e nós temos dois filhos para criar. Se ela está recebendo é porque seu cadastro foi aprovado”, afirma Damião, igualmente eleitor de Dilma. Em frente à sua casa ainda é possível encontrar material de propaganda da campanha da presidente ao lado do candidato a governador derrotado no Ceará, o ex-ministro Eunício Oliveira (PMDB).

Vereador Francisco Amorim, o Batoré, tem parentes no Bolsa-Família

Vereador de oposição ao prefeito e residente na comunidade rural de Baixinha, o agricultor Francélio Amorim, o Batoré (PHS), garante que a mulher não é beneficiária do Bolsa, conforme voz corrente na cidade, mas admite que tem parentes recebendo. “Na minha comunidade, todo mundo é parente”, alega.
Antônio Felix mostra a cultura do caju dizimada no municipio

Ex-presidente da Associação responsável pelo assentamento de Riacho Seco, o maior do município, com mais de dois mil hectares, Antônio Felix Moura já foi beneficiário do programa há três anos, mas confirma que praticamente todas as famílias usam a bolsa como guarda-chuva por causa da falência da cultura do caju na região. “Já fomos o maior produtor de castanha do Ceará”, lamenta.

Segundo ele, a seca e uma praga, o oídio, dizimaram os cajueiros do assentamento, endividando os produtores que tomaram empréstimos para garantir a entrega do produto nas empresas beneficiadoras de castanha na região. “Aqui, quem não recebe dinheiro da Bolsa Família tem seguro safra, o que está nos salvando”, afirmou.

Prefeito Francisco Adelmo (PROS), adversários dizem que ele votou em Aécio 

O prefeito Francisco Adelmo (PROS) diz que não é responsabilidade da Prefeitura administrar o programa de transferência de renda do Governo Federal, mas admite ter falhas e irregularidades. “Numa cidade pequena como a nossa, carente de tudo, sem indústrias, enfrentando uma seca de três anos, as pessoas não têm outra saída que não seja se amparar na bolsa”, afirmou.

Potiretama não é uma ilha de exceção em falhas no Bolsa-Família no Ceará. Recentemente, sete municípios cearenses foram vistoriados pela CGU que constatou irregularidades em Groaíras, Hidrolândia, Itatira, Jaguaribara, Pacoti, Sobral e Tejuçuoca. Cruzando dados do Cadastro Único do Governo e da Relação Anual de Informações Sociais, foram identificadas 765 famílias no programa com renda acima do máximo permitido - meio salário mínimo, R$ 339. A relação inclui servidores públicos e aposentados.

Em Itatira, foi encontrado beneficiário dono de imóvel duplex equipado. Em Hidrolândia, proprietária de empresa que venceu licitações da Prefeitura recebeu R$ 3,69 mil do Bolsa Família entre 2011 e 2012. Já em Tejuçuoca, uma das famílias beneficiadas possuía renda de R$ 1,49 mil.

Também foram apontadas irregularidades como ausência de frequência escolar ou inexistência de órgãos locais de controle. A CGU afirma que o índice de falhas no programa é baixo, “consideradas a complexidade e capilaridade” do programa, que atende 13 milhões de famílias no País.

Fotos: Magno Martins e Otávio Souto.
Edição: Ítala Alves